Casarão de quase 200 anos em Arcos: um pouco da história e o risco de demolição
No século XIX, escravos teriam sido enterrados no porão da casa

Em março de 2018, o Portal CCO Arcos/Jornal CCO publicou reportagem sobre a famosa “Esquina do Pecado”, situada no cruzamento entre a rua Augusto Lara e a rua dos Passos. Na época, conversamos com dona Carlota dos Santos da Silva, moradora na rua Augusto Lara, que estava com 90 anos. Ela comentou sobre o casarão localizado em frente ao “Bar do Beto”.
Segundo Dona Carlota, que nasceu em 1928, a residência já existia na geração da avó dela. “Minha avó falava, quando eu era criança, que não sabia quando tinha sido construída aquela casa. Então, tem mais ou menos 200 anos”, disse, em 2018, quando também informou que a casa teve como proprietário um senhor conhecido como “Pedro Nega”. Hoje, pertence aos herdeiros.
De acordo com informações do Inventário de Proteção do Acervo Cultural, obtidas pelo CCO em 2018, a residência foi construída por volta de 1830, portanto, há 194 anos. Trata-se de uma das primeiras edificações de Arcos e foi construída por pessoas escravizadas. A abolição da escravatura no Brasil só aconteceria 58 anos depois, em 1888, por meio da Lei Áurea assinada pela Princesa Isabel (filha de D. Pedro II).
O proprietário do imóvel era João da Cunha. Depois foi vendida para João Ribeiro e, posteriormente, moraram várias famílias consecutivamente. Foi comprada por “Pedro Nega” e, atualmente, pertence à família dele.
Pessoas escravizadas
Na descrição do Inventário de Proteção do Acervo Cultural, cujo levantamento foi feito em agosto de 1998 a partir de relatos de Maria José Amarante e Ana Clementina Teixeira, é informado que “a residência tem um porão enorme, alto, em adobe – que é um tijolo grande de argila – e terra batida”. Na ocasião em que foram colhidas as informações para o Inventário, há 26 anos, já se encontrava em estágio avançado de deterioração.
Outra informação é a seguinte: “Dizem que no porão da casa foram enterrados muitos escravos”, conforme consta no documento, sem detalhes.
Em 1874, de acordo com registros do livro História de Arcos, de Lázaro Barreto (1992), a população urbana e rural de Arcos era de 4.027 pessoas, sendo 705 escravos.
O casarão foi construído 44 anos antes (em 1830), no contexto do Brasil Império, numa época em que o território arcoense era um arraial.
A casa tem nove cômodos grandes e o estilo é colonial antigo. Até 1998, houve intervenção, mas sem descaracterizar o imóvel, adaptando-se uma cozinha e um banheiro. Também foi feita reforma em parte do assoalho e parte dos caibros foram trocados.
Em 2018, o Portal CCO Arcos procurou a proprietária e uma filha dela, com a finalidade de atualizar as informações, saber outros detalhes e fotografar o interior da residência, mas elas optaram por não conceder entrevista. Na última segunda-feira, 21, tentamos novo contato com a herdeira, disponibilizando espaço para manifestação. Ainda não tivemos retorno. O espaço continua disponível.
Intervenções recentes no casarão
Na semana passada, foi iniciada uma possível demolição desse casarão. A Promotoria de Justiça – Ministério Público em Arcos relatou ao Portal CCO Arcos que na terça-feira, 15 de outubro, a Secretaria Municipal de Cultura de Arcos foi informada sobre o fato e comunicou ao MP.
O imóvel é inventariado como bem cultural desde 1998 pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais.
Isso significa que deve ser preservado, sendo necessária autorização dos órgãos competentes para que seja iniciada qualquer intervenção, demolição ou alteração em sua estrutura. De acordo com o MP, isso não ocorreu.
“Até o momento, não há evidências de autorização oficial para tal intervenção”. [Informação atualizada na tarde de quarta-feira, 23 de outubro].
Foi emitida recomendação aos proprietários do imóvel, para que não realizem novas intervenções no local.
O Ministério Público também informou que o ato está sendo investigado e que será solicitada a instauração de um inquérito policial para apurar possíveis crimes ambientais.
O MP informa que a preservação do patrimônio cultural é um direito assegurado pela Constituição Federal de 1988, no artigo 216. Também relata que a Constituição de Minas Gerais e a Lei de Política Cultural (Lei 11.726/1994) reforçam a obrigação do poder público de adotar medidas preventivas para evitar a destruição ou descaracterização desses bens.
A promotora Juliana Vieira conclui dizendo que o Ministério Público continuará monitorando a situação dos patrimônios culturais e históricos de Arcos.
Imagens do casarão feitas em 2018
Fotos registradas ontem, 23/10, mostrando o estado atual do casarão