Dualidade moral, o médico e o monstro
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A obra O Médico e o Monstro – a estranha história do Dr. Jekyll e do Sr. Hyde – publicada em 1886, do ilustre escritor Robert Louis Stevenson (1850-1894), trata de maneira muito envolvente sobre a dualidade moral intrínseca do ser humano.
Essa ficção de terror narra a vida do notório e benquisto médico Dr. Jekyll que esconde um grande segredo. Em seu laboratório, após muitos estudos e experimentos sobre a moral humana (bem e mal), ele ingere um elemento misterioso que o transforma em uma pessoa horrível, tanto a aparência quanto a índole. A tal pessoa (ele mesmo só que com o corpo alterado) ele batiza de Edward Hyde.
Nota-se que a história do Dr. Jekyll se assemelha à do cientista Victor Frankenstein que se empenhou muito para dar vida a um ser morto. Todavia, seu objetivo não era obter o mistério do sopro da criação e sim separar a parte boa e ruim do ser humano, fazendo com que o próprio corpo (matéria) sofresse alteração com a mudança de caráter. O médico afirmava que: “o homem não é verdadeiramente um, mas verdadeiramente dois”.
O autor usa uma linguagem leve que cativa mais o leitor. Prova disso é que li o livro em um dia, sem qualquer interrupção. Ademais, é um tema que aprecio muito. É impossível definir qualquer pessoa em somente ruim ou boa, pois em algum momento ela pode ter tido atitudes boas ou ruins. Ninguém é somente uma versão inalterável.
Ao longo da vida colocamos várias máscaras e nos envolvemos com as mais diversas situações e pessoas que influenciam sobremaneira nosso modo de agir. Inclusive, nosso caráter tem relação com tudo que absorvemos, principalmente, na infância.
A questão do livro é: o poder de mudar completamente a aparência/identidade para praticar todas as imoralidades que temos vontade, sem qualquer punição, já que depois voltaríamos a ter aparência do nosso corpo conhecido socialmente como moralmente correto.
Foi exatamente isso que o Dr. Jekyll fez. Ele seguia sendo um homem estimado e quem tinha a honra manchada era o Sr. Hyde – onde habitava sua essência mais perversa. Inclusive, até mesmo a aparência de Hyde era desagradável.
“Assim como o bem brilhava no semblante de um, o mal estava estampado de maneira ampla e clara no rosto do outro. Além disso, o mal (que ainda acredito ser o lado letal do homem) havia deixado naquele corpo uma marca de deformidade e decadência”. (STEVENSON, 2020, p. 105).
Isso nos remete ao retrato de Dorian Gray que também ia sendo denegrido com suas atitudes incorretas.
Todavia, o Dr. Jekyll não previu que sua essência ruim ia querer dominar sua essência boa, fazendo com que seu corpo, fora de hora, se transformasse na aparência de Hyde e estragasse seus planos. Considerando a falta de bom senso do Doutor, o desfecho não poderia ser melhor…
Neste cenário, tem-se duas questões:
Até que ponto vale a pena alimentar paixões, vaidades e vícios desordenados?
Se você também pudesse transformar seu corpo em 2 versões/aparências diferentes – boa e ruim -, seria capaz de controlar a versão perversa?
Muitas vezes ser bom exige um sacrifício enorme do eu egoísta em nome do bem-estar dos outros. Neste sentido,
“Nenhum homem sabe o quanto é mau, até se esforçar para ser bom. Só conhecemos a força do vento quando caminhamos contra ele, e não quando nos deixamos levar.” C. S. Lewis.
Referência:
STEVENSON, Robert Louis. O Médico e o Monstro. Tradução Luciane Gomide. São Paulo: Lafonte, 2020.